Preso na operação "Cadeia Velha", deflagrada nesta terça-feira pela Procuradoria Regional da República (PRR-2) em parceria com a Polícia Federal, o empresário Felipe Picciani, filho do presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Jorge Picciani (PMDB), é acusado pela força-tarefa do Ministério Público Federal de ter sido um colaborador "indispensável". Segundo os investigadores, "fica patente nos e-mails trocados entre eles que Felipe age em consonância com o principal propósito da empresa: a lavagem de ativos dos crimes praticados por seu pai e por outras pessoas da esfera de conhecimento de seu pai (empresários e funcionários públicos)".
Lavagem com leilões de gado
Único dos três filhos do primeiro casamento de Picciani que não fez carreira política, o zootecnista Felipe Carneiro Monteiro Picciani, de 36 anos, é sócio e administrador da Agrobilara Comércio e Participações, holding que opera sete propriedades, distribuídas no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso. O pai explica que entregou a Felipe a responsabilidade de gerir os negócios da família porque, desde cedo, o zootecnista revelou inclinação pela vida no campo, preferindo o curral à piscina das fazendas.
Como "homem do campo", Felipe entrosou-se com os grandes criadores da raça nelore (80% da carne bovina consumida no país), progredindo como dirigente da classe na medida que o pai acumulava poder político. Em 2010, quando Picciani lançou-se ao Senado, no auge do seu poder político no Rio, Felipe foi eleito presidente da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil.
Dois anos depois, quando Jorge Picciani decidiu entrar também no ramo da mineração, adquirindo duas empresas (Tamoio e Coromandel), foi também Felipe que apareceu como o gestor responsável.
Adquirida em 1984, a maior fazenda da família, a Monte Verde começou como produtora de leite e café em Rio das Flores, no Sul do Estado do Rio. Nos anos seguintes, enquanto o chefe do grupo subia os degraus da carreira política, a empresa deu um salto e se expandiu para Uberaba, no Triângulo Mineiro, atuando no desenvolvimento genético do rebanho de corte e leiteiro. Em 1998, investiu na compra da vaca nelore Bilara, que rendeu a dinastia de animais até hoje oferecida nos leilões.
Em entrevistas para mídia especializada, Felipe Picciani reforçava o discurso do pai de que os negócios pecuários da Agrobilara explicavam a evolução patrimonial. Coube a ele, nos últimos anos, cuidar do patrimônio genético de cinco vacas premiadas (Bilara, Bonanza, Garuda, Mediana e Orgia) de propriedade da Agrobilara. Oferecido em leilões, este material genético teria rendido lucros esplêndidos para o Grupo Monte Verde. Alguns lances chegaram a R$ 1 milhão.
Na condição de responsável pela Agrobilara, Felipe é agora acusado pelo Ministério Público Federal de operar o esquema de lavagem do dinheiro recebido ilegamente pelo pai. Leilões promovidos por Picciani, entre 2003 e 2015 (Opera e Bilara), revelam que parceiros na venda de embriões e gado eram também fornecedores, prestadores de serviço, contratados ou têm algum tipo de interesse em negócios com o estado e prefeituras aliadas, a maioria do PMDB.
Na lista dos compradores, aparecem nomes como Sérgio Shcolnik, da DKF Engenharia; Paulo Trindade Júnior, filho de Paulo Trindade, da Investiplan Computadores; Mario Peixoto, da HBS Vigilância, da Local Rio e da Atrio Rio Service; Abid José Júnior, da Alpha 3 Engenharia e Saneamento; Hugo Aquino, da União Norte; e Luiz Roberto Menezes Soares, dono da Cor e Sabor Distribuidora de Alimentos e irmão do empresário Artur Soares, que está sendo procurado pela Interpol por envolvimento no escândalo da compra de votos na escolha do Rio para sede dos Jogos de 2016.
Também aparecem entre os compradores o dono de cervejaria Itaipava, Walter Faria, um ex-presidente da Odebrecht Pedro Augusto Novis. Faria, fabricante da cerveja Itaipava, cujas distribuidoras, ligadas ao grupo, deviam no ano passado mais de R$ 1 bilhão em ICMS no Rio. Faria é sócio de Picciani na Tamoio Mineração e já negociou gado diretamente com o político.
Pernambuco Júnior não foi o primeiro e nem o único empreiteiro a fazer negócios rurais com o presidente da Assembleia. Em abril, O GLOBO revelou que o presidente do Grupo Petrópolis, Walter Faria, e outros seis empresários que têm contratos com o governo fluminense também compraram gado de Picciani em 13 edições do leilão “Copa — Ópera & Bilara” (2004-2015), patrocinado pelo Monte Verde, e em duas edições do “Cidade Maravilhosa” (2011 e 2015), nas quais a família participou com matrizes.
Walter Faria, fabricante da cerveja Itaipava, cujas distribuidoras devem mais de R$ 1 bilhão em ICMS ao Estado do Rio, também é sócio de Picciani na Tamoio Mineração.
O Ministério Público do Rio de Janeiro já investigava Picciani por enriquecimento ilícito nos negócios com gado. Por decisão recente do Conselho Superior do Ministério Público do Rio, formado por dez integrantes, o inquérito civil que apura eventual improbidade administrativa praticada pelo presidente da Alerj não foi arquivado, como pretendia o procurador-geral de Justiça do Rio, Marfan Vieira Martins.
No inquérito, Picciani é investigado por suspeitas de enriquecimento ilícito nos leilões de embriões de gado que foram comprados por fornecedores e prestadores de serviços do governo fluminense entre 2003 e 2015.
A investigação começou em 2013, a partir de um contrato de gestão de postos de vistoria do Detran por meio do protocolo de intenções 10/03, celebrado pelo órgão com a Fundação de Apoio Cefet (Funcefet). Esta, por sua vez, subcontratou a empresa DKF Engenharia, do empresário Sérgio Shcolnik, que ganhou cerca de R$ 480 mil mensais pelo serviço. De acordo com o Ministério Público, a DFK recebeu, ao todo, quase R$ 8,7 milhões. Contudo, uma inspeção do Tribunal de Contas do Estado (TCE) constatou que o serviço não foi prestado pela firma.
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