sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Mães de cinco desaparecidos cobram respostas sobre seus filhos

No fundo, no fundo, elas sabem... As chances de os filhos estarem vivos são pequenas. Mesmo assim, só se referem a eles no presente, nunca no passado: “É um bom menino. Sempre existem aquelas amizades ruins, mas é um bom menino”, afirma uma. “Ele tem problema de sinusite e naquele dia não foi trabalhar com o pai”, diz outra. “Meu filho tem 20. Quando sumiu tinha 19”, afirma uma terceira.

A esperança dessas  mães talvez nunca morra. Por isso, depois das reportagens publicadas no CORREIO sobre o desaparecimento de Geovane, após abordagem policial na Calçada, elas resolveram fazer coro com seu Jurandy, pai do rapaz. “Cadê Jean? Cadê Sérgio Luiz? Cadê Luiz Ricardo? Cadê Rildean? Cadê Mateus?”, perguntam, inclusive em frases gravadas em camisas.
 
Todas relatam o sumiço dos filhos após abordagens policiais ou ações de homens armados usando brucutus,  com viaturas da polícia ou carros “chapa fria”. Elas não têm um vídeo como prova, como seu Jurandy. Mas se baseiam em relatos de testemunhas e no “modus operandi” dos sequestros.

Ao rodar presídios e hospitais, pular de órgão público a outro,  circular por corregedorias, essas mães-coragem dizem não se cansar de enfrentar o preconceito nas repartições e a morosidade das investigações. “Quero meu filho! Nem que seja o corpo dele”, concordam.

Alguns casos são investigados pelo Grupo de Controle da Atividade Policial (Gacep), do Ministério Público. Em um documento do MP, quando fizeram um protesto, as mães relatam descaso até de delegados. “O protesto é devido à insatisfação de todos que tiveram parentes e amigos desaparecidos com relação à atividade policial. Inclusive relatam descaso, até a ocorrência de ofensas à memória dos desaparecidos por delegados de polícia”. 
    
O que diz a polícia Procurada sobre os cinco casos, a Polícia Civil informou, em nota, que os inquéritos estão “em andamento”, mas não há indicativo de autoria ou motivação. As principais dificuldades, diz a nota, são: “a ausência de testemunhas, que não querem se expor e têm muita dificuldade em comparecer à delegacia. Informações desencontradas e ausência de provas materiais, como imagens de câmeras de segurança, também dificultam a elucidação”.

Cadê Jean, Sérgio e Luiz?
Homens armados e com brucutus invadiram casa em Canabrava


Donas de casa - e de um eterno olhar de revolta - Cleonice da Silva de Oliveira, 42 anos, e Lucy Moura Santos, 50, entraram em uma luta que parece interminável. O filho de Cleonice, Jean Carlos Oliveira da Silva, então com 19 anos, foi retirado de dentro de uma casa, em Canabrava, junto com os filhos de Lucy, Sérgio Luiz Santos Nascimento Júnior, 27, e Luiz Ricardo Santos Nascimento, 19. Os três foram colocados no fundo de um veículo. Nunca mais apareceram. 

Em maio do ano passado, em Pirajá, Jean teve um desentendimento com o pai. Resolveu morar sozinho no imóvel alugado em Canabrava. Chamou dois amigos, os irmãos Sérgio Luiz e Luiz Ricardo. No dia 16 daquele mês, por volta das 3h, vários carros pararam na frente da casa. Homens armados e usando brucutus desceram, arrombaram o cadeado e invadiram a casa.

Testemunhas disseram às famílias que identificaram policiais fardados, inclusive com coletes à prova de balas. As testemunhas afirmaram a uma das mães que viram viaturas da Operação Gêmeos e da Rondesp entre os carros. “Tinha carros selados (chapa fria) e carros da PM”, diz Cleonice. 

A mãe de Jean afirma ainda que as câmeras de segurança de um comércio ao lado da casa registraram a ação. Mas a Polícia Civil respondeu a ela que as imagens não servem para nada. “Eu que avisei a eles das imagens. Eles disseram que o vídeo é muito ruim. O dono do estabelecimento disse que as imagens não são muito boas,  mas sempre pega alguma coisa, né?”, diz Cleonice.  

Na época, chegou a se falar que Sérgio Luiz e Luiz Ricardo tinham envolvimento com roubos. A mãe nega. “Não tem acusação contra eles em delegacia nenhuma. A ficha deles é limpa”. Dona Lucy, por outro lado, diz que os filhos testemunharam o assassinato de um rapaz. “Meus meninos tavam sabendo demais. Eles pediram para ir morar com Jean porque o bairro tava barra pesada”.
Já Jean, diz a mãe, estava trabalhando normalmente e nunca se envolveu com o crime. “Ele tem 20 anos e o 2º grau completo”, diz ela, como se o filho tivesse feito aniversário. Na época do fato, tinha 19 anos. 

O que diz a polícia 
As mães foram ouvidas na 10ª Delegacia (Pau da Lima)  e registraram o caso na Corregedoria da Polícia Militar. A PM respondeu que o registro foi realizado no último dia 15. Nele, Cleonice afirma que não relatou antes o fato porque estava com medo e com problemas de saúde. A corporação informou, em nota, que “iniciou um levantamento para elucidar a situação, contudo, até o presente momento, não há informações relacionadas ao número de viatura, nome de policiais militares ou outro dado que dê celeridade às diligências investigativas”. Já a Polícia Civil informou que o caso está na 10ª Delegacia e os inquéritos estão em andamento. 

O caso  é acompanhado pelo Grupo de Controle da Atividade Policial (Gacep), do Ministério Público Estadual. Mas, por questão de segurança, os promotores não dão entrevistas. A assessoria do MP informou que o procedimento está em fase de instrução, com provas sendo recolhidas e testemunhas ouvidas. Enquanto isso, as mães seguem. Com esperança e sem medo. “Não tenho medo de nada. Eu quero meu filho. Acredito que ele ainda está vivo. Mas, se existe um corpo, a gente quer também”.  

Cadê Rildean?
Jovem foi perseguido e colocado em porta-malas
Rildean: desaparecido em 2010
(Foto: Almiro Lopes/Reprodução)
Você está voltando do trabalho e, perto de casa, vê uma movimentação estranha na rua. As pessoas parecem assustadas. Pior: elas simplesmente não param de te olhar. Foi assim que se sentiu a dona de casa Mirian Cristina de Jesus, 49 anos,  no final da tarde de 25 de março de 2010. Quase chegando no portão de casa, no Alto do Cruzeiro, soube da notícia: seu filho havia sido colocado no porta-malas de um carro por homens armados. Rildean de Jesus Santos, 19 anos, estava em casa quando ouviu barulho de tiro vindo de fora. A irmã alertou que não saísse.

No segundo estampido, não resistiu. Foi ver o que era. Bastou sair para que dois carros pretos, um Siena e um Gol, apontassem no fim da rua. Os colegas o alertaram para sair correndo. “Aí ele disse: ‘Eu não devo nada...’”, conta a mãe, a partir de relatos.  Dos carros, saíram homens armados usando brucutus. Apavorado, aí sim, Rildean correu. Foi perseguido até a Ladeira de Brotas, colocado no carro e desapareceu. “Não era nem para ele estar em casa. Ele tem problema de sinusite, tadinho. Trabalha com o pai na construção, mas naquele dia o problema atacou”, revela.

Dali em diante, dona Mirian passou a ter noites em claro. Há dois anos, começou a tomar cinco remédios controlados por dia. “Tem dias que fico na janela e vejo o dia amanhecer”. Ela acha que o filho foi levado por policiais. “Acho que ele foi confundido. Bandido não age desse jeito. Bandido mata e deixa ali mesmo”, pondera. Foi à 6ª Delegacia (Brotas) e ao Ministério Público.  “A gente chega na delegacia e parece que a gente não é nada”. 

O que diz a polícia  Em nota enviada ao CORREIO, a Polícia Civil informou que o caso do desaparecimento de Rildean foi remetido da 6ª Delegacia Territorial para a 1ª Delegacia de Homicídios. A mãe  e um vizinho foram ouvidos. “Não há testemunhas do caso ou imagens gravadas no local, nem indicativo de autoria. As investigações prosseguem”, diz a nota.  O MP confirmou o registro do caso no órgão, mas o promotor responsável não fala sobre o assunto. 

Cadê Matheus?
Adolescente saiu de casa para ir à lan house e sumiu no Nordeste
Matheus: desaparecido em 2012
Ana Lúcia Conceição fazia o almoço. O filho único, Matheus Silva Souza, então com 16 anos, disse que ia na lan house e não voltou mais. Com receio de falar, Ana Lúcia não conta detalhes. Mas, naquele 10 de maio de 2012, a Polícia Militar entrou no Nordeste de Amaralina. Tanto que Matheus foi alertado por uma amiga da mãe, que mandou ele ir pra casa porque “os homi tavam na área”. “Dito e certo. Disseram que colocaram ele na mala de um carro da PM, mas não tenho certeza que foi polícia”, diz ela, visivelmente receosa.

“Não tem qualquer acusação contra ele. É um bom menino. Tem sempre as amizades ruins, mas é um bom menino. Hoje tem 18 anos”, diz a mãe. Os pais registraram o caso no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). “Tenho esperança que ele esteja preso em algum lugar. Nunca vou deixar de acreditar que meu filho está vivo. A não ser que me apresentem o corpo”. 

O que diz a polícia Em nota, a Polícia Civil informou que “o pai do adolescente procurou a Delegacia de Proteção à Pessoa (DPP) para registrar o desaparecimento do filho. Mas a mãe do garoto e outras testemunhas prestaram depoimento, em maio de 2012, e informaram que Matheus tem envolvimento com o tráfico de drogas e estaria morando em companhia de traficantes, na localidade do Arenoso. O pai não aceita a versão sobre o fato”. O MP informou que não há registro do caso no órgão.

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