“A investigação só conclui com a solução”. A afirmativa do próprio comandante-geral da Polícia Militar, coronel Alfredo Castro, deixa claro que, após seis meses, a polícia continua sem apontar culpados ou inocentes no Caso Rio Real. Em novembro do ano passado, o CORREIO iniciou uma série de reportagens em que denunciou a ação de grupos de extermínio, que seriam responsáveis por homicídios, torturas, invasões de residências e uma série de abusos no município do Nordeste baiano.
Prazos
No dia seguinte à primeira reportagem, um processo administrativo foi aberto na Corregedoria da PM. O próprio comandante-geral chegou a dar diversos prazos para a conclusão e divulgação das investigações. Primeiro, garantiu ele, providências seriam tomadas no dia seguinte. Depois, em uma semana. Depois, em 30 dias. Depois...
Fato é que desde o dia 14 de janeiro, a Corregedoria da PM concluiu o relatório de apuração do caso, mas o Comando não se pronuncia sobre o resultado. No dia 25 de fevereiro, em novo contato com o comando, o coronel Castro argumentou que, legalmente, teria mais 45 dias para publicar a decisão. Passado o prazo, não deu resposta.
Para conseguir acesso à movimentação do processo, diante das dezenas de tentativas junto à assessoria de comunicação da PM, o CORREIO utilizou a Lei de Acesso à informação, e enviou solicitação à Ouvidoria Geral do Estado em abril. Assim, o Comando teria 20 dias para responder ao registro 625102. Em resposta, a Ouvidoria reproduziu expediente da PM explicando que “os fatos envolvendo policiais de Rio Real ainda estão sob análise e apreciação”. A informação contrasta com o que diz a própria corregedoria da PM.
Na quinta-feira, o corregedor Manoel Amâncio Souza Neto afirmou novamente ao CORREIO que a investigação já foi finalizada desde janeiro. “A sindicância está concluída”, disse, sem dar detalhes das investigações. Mas a publicação nunca ocorreu. Todos os denunciados seguem sem punição por parte da corporação. Castro argumenta que está “respeitando os prazos da legislação” e garante que “em breve deve sair a solução”.
No Estatuto dos Policiais Militares Bahia, a lei Nº: 7.990 dispõe que processos administrativos disciplinares tenham prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60. Ou seja, são quatro meses, no máximo, até a publicação. “A impressão que se tem é que o objetivo é não punir ninguém. É trocar os policiais de lugar e ficar por isso mesmo”, afirma o juiz Josemar Dias, titular da comarca de Rio Real e principal crítico da postura da PM local.
O caso mais emblemático na cidade, o assassinato do advogado José Urbano do Nascimento Júnior, morto aos 28 anos em novembro de 2012, sequer teve o inquérito concluído. Urbano levou dois tiros meses depois de ter sofrido duas agressões de PMs. O inquérito chegou a ser enviado para o MP-BA, com pedido de prisão preventiva de um acusado, mas a promotoria o enviou de volta para a PM, para que mais provas fossem colhidas.
“A demora é porque estamos assoberbados de trabalho. Vamos buscar mais elementos”, assegura o delegado de Rio Real, Antônio Carlos Santana. Ninguém espera mais por isso que a mãe de Urbano, a professora Maria Lúcia dos Santos. “Os policiais chamaram ele de ‘advogadozinho de merda’. Morreu depois de reunir provas contra eles. E, até hoje, nada de justiça”, lamenta.
A crítica à injustiça geral, no entanto, foi ligeiramente arrefecida na semana passada, após uma decisão do juiz da Comarca de Itapicuru (para onde parte do processo foi repassada), Renato Caldas do Valle Viana, com relação às denúncias oferecidas pelo MP-BA. Acusados de tortura, abuso de autoridade e improbidade administrativa, o tenente Adnilson Brito da Silva e o soldado Anelito Nascimento de Jesus, da 6ª CIPM, terão de manter distância de no mínimo 100 metros dos denunciantes, sob pena de prisão. O juiz não acatou o pedido de afastamento dos policiais.
Apoio
Quanto ao major Florisvaldo Ribeiro, nada, além do que pode ser considerada uma “promoção”. No dia 20 de fevereiro, o mesmo Diário Oficial do Estado que comunicava seu desligamento da 6ª CIPM, informava sobre sua ida para a 67ª companhia, em Feira. O major passou a comandar 332 PMs - mais que o triplo do então efetivo de 96 policiais de Rio Real.
A própria mudança foi uma demonstração de apoio, com a presença do coronel Alfredo Castro. Aliás, foi a primeira vez na história que um comandante-geral foi à cidade participar de uma troca de comando. Na posse, sentado na fileira logo atrás do comandante, o tenente Adnilson Brito, apontado pelo MP como torturador.
A falta de um promotor titular na comarca de Rio Real é apontada como um dos empecilhos para que os processos andem. Desde que as denúncias surgiram, o município já está com seu terceiro promotor. Antes, houve diversas trocas de promotoria. “Os processos se movimentam lentamente porque cada promotor que assume pede adiamento de audiências porque já tinha compromissos marcados na comarca em que é titular”, relata o juiz Josemar Dias.
O MP-BA, por sua vez, afirmou que apesar de não haver titular, a comarca foi reforçada recentemente. Desde o último dia 19, a promotora de Justiça Sandra Patrícia Oliveira, de Salvador, está atuando junto com outro promotor da capital. Ambos iniciaram uma inspeção para dar andamento a inquéritos. O MP-BA disse ainda não saber informar quantos processos envolvendo policiais estão em andamento.
21 de novembro – CORREIO publica reportagem denunciando ação de grupos de extermínio na cidade. Juiz, presidente da Câmara e o próprio prefeito assinaram um ofício enviado ao Ministério Público (MP) pedindo investigação de crimes, que seriam cometidos por policiais.
22 de novembro – Em ligação ao CORREIO, o próprio comandante geral da PM informou sobre a abertura de um processo administrativo (sindicância) para investigar o caso. Ele afirmou ainda que no dia seguinte tomaria a decisão sobre o afastamento ou não do major Florisvaldo Ribeiro, acusado de ser conivente com os crimes cometidos pelos seus comandados.
14 de janeiro - A Corregedoria da PM concluiu o relatório de apuração do caso, mas o comando da Polícia Militar não se pronunciou sobre o resultado das investigações.
19 de fevereiro - O comandante-geral da PM, coronel Alfredo Castro, confirma a conclusão da sindicância. Ele afirmou, porém, que ainda tinha um prazo de 45 dias para se manifestar. “Quero ter certeza antes de tomar a decisão”.
20 de fevereiro - Diário Oficial publica o afastamento do major Ribeiro de Rio Real, mas o mesmo Diário trazia sua transferência para Feira de Santana. Dias antes, o coronel Castro havia garantido ao CORREIO de que Ribeiro não seria afastado e voltaria a atuar em Rio real até que as investigações fossem concluídas. O CORREIO solicitou mais uma vez um posicionamento sobre a
sindicância à assessoria da PM, mas não obteve resposta oficial.
25 de março – O CORREIO deu entrada em um pedido de informações sobre a sindicância
aberta pela PM para apurar a conduta dos policiais denunciados, utilizando o recurso da Lei
de Acesso à Informação. O pedido foi registrado na Ouvidoria sob o nº 625102.
26 de março – Ocorre a passagem de comando em Rio Real. O Major Sérgio Malvar assume o posto. O evento contou coma presença do major Ribeiro e do próprio comandante-geral. Policiais acusados de diversos crimes, inclusive homicídios e torturas, também marcaram presença.
10 de abril – Através da Ouvidoria Geral do Estado, a PM se manifestou informando que, conforme informou o comandante-geral Alfredo Castro, “os fatos envolvendo policiais de Rio Real ainda estão sob análise e apreciação”. No comunicado, a PM se comprometia a divulgar o resultado da investigação, tão logo esta fosse finalizada.
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